Com a decisão pela derrubada de parte dos vetos presidenciais aos jabutis na Lei das Eólicas Offshore, o Congresso Nacional colocou em vigência um conjunto de medidas que provoca efeito equivalente à decretação de bandeira vermelha patamar 1 na conta de luz por seis anos, além de 19 anos subsequentes com bandeira amarela, de acordo com o estudo técnico elaborado pela Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE).
Com ampla maioria no Senado e na Câmara dos Deputados, os parlamentares aprovaram um custo adicional estimado em R$197 bilhões até 2050, com aumento aproximado de 3,5% (1) na conta de luz, o que também provocará impacto no preço dos produtos e serviços, e consequente alta na inflação. Esse pacote de medidas que passa a pesar no bolso dos consumidores a partir da decisão do Poder Legislativo custará o equivalente a R$ 4,46 para cada 100 quilowatts hora (kw/h) consumidos – custo similar ao da bandeira vermelha 1 – ao longo de 72 meses, somado a mais 228 meses com custo adicional equivalente a R$ 1,88 para cada 100 kw/h – o mesmo da bandeira amarela. Em uma comparação com o sistema de bandeiras tarifárias da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), pode-se dizer que o Congresso Nacional está impondo à população uma condição semelhante à que enfrentaríamos se passássemos seis anos ininterruptos em seca extrema.
Os consumidores e todo o Brasil precisam reduzir gastos e aumentar eficiência. No entanto, o Legislativo avança na direção contrária, nega as evidências técnicas e ignora os pareceres de órgãos reconhecidamente competentes, as recomendações das instituições setoriais e a opinião pública para aumentar a conta da população.
A declaração do presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (União-AP), nesta quarta-feira (26) demonstra o tamanho do desconhecimento do Parlamento acerca dos aspectos técnicos e regulatórios do setor elétrico. Ao contrário do que o senador declarou, as decisões tomadas no Congresso acerca da derrubada dos vetos não foram técnicas, nem tampouco transparentes e muito menos voltadas ao interesse público. Não há como negar a realidade. Foram decisões políticas, súbitas e contrárias a todas as expectativas da população. O aumento do custo da energia será inevitável como demonstram os estudos técnicos, posto que consumidores livres e regulados serão afetados. Não podemos mais normalizar a prática dos jabutis, fielmente descritos na doutrina corrente como “contrabando legislativo”, nem aceitar declarações de autoridades sem fundamento técnico consistente.
Sobreoferta e curtailment: por que comprar mais energia se o Brasil não precisa?
Com base em estudos técnicos, a FNCE estima ainda que a contração compulsória de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), prevista em um dos jabutis aprovados, agravará os cortes de energia renovável por parte do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o chamado curtailment.
Análise dos dados do ONS indica que o Sistema Interligado Nacional (SIN) apresenta 18,9 GWm de sobreoferta em 2025 e que a oferta de energia no Brasil é 23% superior à demanda (2). Ou seja, no cenário atual, ainda sem o efeito dos jabutis aprovados pelo Congresso, o Brasil possui capacidade para atender a um consumo quase 1/5 superior ao consumo atual. Logo, não há necessidade de uso da força da lei para obrigar os consumidores brasileiros a comprar mais energia justamente quando já há sobreoferta.
Parte desse excesso dá origem aos chamados cortes por razão energética, aqueles motivados por sobreoferta de energia, quando a geração excede a demanda em determinados momentos do dia. Projeções do ONS para os próximos anos indicam que o curtailment por razões energéticas deve se tornar ainda mais predominante, principalmente devido ao crescimento exponencial da mini e microgeração distribuída (MMGD). Esses cortes por razões energéticas refletem a impossibilidade de alocar toda a geração disponível. Em 2024, as restrições por razão energética totalizaram cerca de 4.330 GWh, segundo o Operador Nacional.
Por razões operacionais, o curtailment é realizado nas usinas eólicas e solares, dada a flexibilidade operativa dessas fontes. Portanto, ao colocar em vigor o jabuti das PCHs, o Congresso Nacional institui no marco das eólicas offshore um dispositivo que promove a retração da geração eólica e solar no país. Os prejuízos dos investidores de usinas solares e eólicas ainda poderão ser cobrados dos consumidores, ampliando ainda mais o prejuízo para toda a população, além de agravar a insegurança e imprevisibilidade do setor elétrico.
1. Com base em estudo da PSR Energy
2. Volt Robotics a partir do Programa Mensal da Operação (PMO) – ONS – maio 2025