Essa conta não é do consumidor; o que se espera é eficiência de autoridades e concessionária
Luiz Eduardo Barata Ferreira
Presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia; foi diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia
Artigo publicado pela Folha de S. Paulo em 17 de novembro de 2023
Os consumidores de energia já vivem o dilema de ter uma das contas de luz mais altas do mundo. Agora, a ideia da criação de um novo imposto é motivo de preocupação. O último apagão que atingiu São Paulo reacendeu o debate por muito tempo negligenciado: como garantir a estabilidade do fornecimento de energia elétrica em eventos climáticos extremos? A responsabilidade da concessionária é inquestionável, mas não exclusiva. Isso precisa ficar claro para que outros responsáveis não se camuflem na sombra de um bode expiatório.
Surgem agora ações imediatistas, diagnósticos simplórios e propostas rasas, mas não há uma atitude estruturada à altura do desafio. Assim apareceu o mito do enterramento da rede elétrica como única solução e a sugestão criativa de uma taxa extra para bancar as obras, ideia obviamente mal recebida pelos cidadãos paulistas.
Estudo da Frente Nacional dos Consumidores de Energia estima que, em 2023, os brasileiros pagarão ao todo R$ 342 bilhões em conta de luz. Cerca de 40% desse valor são tributos, subsídios e perdas. Neste ano, já ocorreram 9,6 milhões de cortes de energia de consumidores residenciais por inadimplência.
Famílias ficaram no escuro por não conseguir pagar a conta de luz. Muitas outras pagaram, mas para isso tiveram que reduzir ou deixar de comprar produtos básicos.
Os consumidores brasileiros não querem mais um imposto para pagar. Esperamos cooperação e planejamento integrado por parte das concessionárias, reguladores, governos, órgãos ambientais e legisladores. Essa responsabilidade precisa ser assumida com eficiência e sem onerar ainda mais os cidadãos e as empresas com a cobrança para viabilizar uma obra que, sozinha, não vai garantir proteção à população contra outros apagões. O que pode trazer a segurança energética necessária em novos eventos climáticos extremos é um conjunto de boas práticas e o trabalho eficiente de todas as partes responsáveis.
O custo de instalação de redes subterrâneas é cerca de dez vezes superior ao do modelo aéreo preso em postes. Uma transição gradual que priorize áreas críticas faz sentido, mas não há justificativa técnica para enterrar toda a fiação. E não é só enterrar. Tem o custo da adaptação do padrão de entrada da rede elétrica, que passaria a vir do subsolo para dentro de cada casa e prédio. Além disso, a manutenção do enterramento, que será permanente, é mais cara que a das redes aéreas.
O imposto extra também seria eterno? Tem ainda a iluminação pública, a fiação dos semáforos e as empresas de telecomunicações, que também utilizam os postes.
Áreas com fiação subterrânea também sofreram apagão. Mesmo com cabos à prova d’água, alagamentos levam risco ao subsolo, que não está livre de roubos, vandalismo ou instalações clandestinas. Aliás, os brasileiros deverão pagar neste ano R$ 19,2 bilhões por perdas técnicas e furto de energia. Mais fiscalização e tecnologias inteligentes ajudariam a combater “gatos” e liberar recursos para enterramento que se fizer mais necessário.
Uma parte do problema está, por exemplo, na limpeza dos bueiros e na manutenção da arborização. Precisamos garantir que o plantio, manejo e poda da flora urbana sejam mais eficientes, menos burocráticos e respeitem o meio ambiente.
São muitos aspectos e responsáveis envolvidos, mas falta planejamento e coordenação. Não precisamos esperar a próxima chuva nem inventar um novo tributo para começar a agir e proteger a população de novos apagões.