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Seminário debate a urgência e os desafios da transição energética justa no Brasil

O seminário Clima, sociedade e energia: oportunidades e desafios da transição energética no Brasil da COP 30, promovido pela Frente Nacional dos Consumidores de Energia, reuniu, nesta quarta-feira (14), autoridades, especialistas e representantes da sociedade civil para discutir temas críticos do setor elétrico brasileiro.

O primeiro painel do evento foi dedicado à descarbonização dos sistemas isolados da Amazônia. Alexandre Viana, CEO da Envol Consultoria, apresentou o estudo desenvolvido em parceria com a FNCE, destacando os desafios do acesso à energia na região amazônica, onde cerca de 1 milhão de pessoas ainda não têm acesso regular à eletricidade. Viana ressaltou que, embora as emissões dos sistemas isolados sejam relativamente baixas, há um imperativo ético e ambiental para a implementação de soluções sustentáveis na Amazônia.

“Mesmo onde há fornecimento, ele é intermitente e poluente, com tarifas elevadas. Isso agrava a inadimplência e prejudica o desenvolvimento local”, afirmou Viana.

Alessandra Mathyas, analista de conservação do WWF-Brasil, reforçou a importância de considerar o acesso à energia como um direito fundamental das comunidades. “O acesso à energia é essencial para o ‘bem viver’ das populações, e deve respeitar os direitos dos povos tradicionais”, afirmou Mathyas.

Alternativas para o fim do carvão no setor elétrico

O segundo painel abordou alternativas para o fim do carvão mineral no setor elétrico. Sílvia Cappelli, procuradora do Ministério Público do Rio Grande do Sul, compartilhou reflexões sobre as crises climáticas no estado e a importância de uma abordagem preventiva, interdisciplinar e transdisciplinar.

Donato Filho, da Volt Robotics, defendeu a reconversão das usinas de carvão, sugerindo a instalação de tecnologias de geração renovável, aproveitando a infraestrutura existente. “Queremos construir algo melhor. A reconversão das usinas pode tornar o Brasil um exemplo mundial de transição justa”, afirmou Donato, ressaltando que a transformação não deve excluir a mão de obra qualificada.

Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto Arayara (membro da FNCE), destacou a urgência de uma transição energética no Brasil que promova justiça climática, garantindo acesso universal à energia limpa, acessível e sustentável, incluindo trabalhadores e toda a cadeia produtiva. Ele ressaltou que é necessário um novo paradigma energético que vá além da simples redução de emissões.

Araújo apresentou dados do relatório Boom and Bust Coal 2024, que mostra que, enquanto o uso de carvão avança na Ásia, países europeus reduzem sua dependência, priorizando saúde pública e sustentabilidade. Ele apontou os impactos ambientais da mineração e exploração do carvão no Sul do Brasil, destacando que o setor acumula um passivo ambiental de R$10 bilhões, valor que poderia gerar mais de 60 mil empregos se investido na recuperação da região.

O diretor criticou tentativas no Congresso de reverter vetos a subsídios ao carvão – como o PL Eólicas Offshhore – que podem resultar em aumentos nas tarifas de energia, o que acarretaria empobrecimento e desemprego. Citou as usinas de Candiota e Jorge Lacerda, que, se mantidos os subsídios até 2050, custarão cerca de R$100 bilhões e aumentarão as emissões de carbono.

Como solução, Araújo defendeu a realocação de recursos para financiar o “phase-out” do carvão, com foco em requalificação profissional, geração de empregos sustentáveis e compensação a municípios afetados. Segundo ele, essa medida poderia gerar até R$40 bilhões de economia na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), reduzir tarifas em até 17% e contribuir para a reconstrução do RS e as políticas climáticas nacionais. Ele concluiu que uma transição energética justa exige base legal, responsabilidade social e compromisso com um modelo limpo e acessível.

Resiliência e adaptação ao clima no setor elétrico

O terceiro painel abordou os desafios de resiliência no setor elétrico diante das mudanças climáticas. Ivina Suzuki, especialista do Instituto Clima e Sociedade (iCS), ressaltou que o setor elétrico está altamente vulnerável aos impactos climáticos. “Eventos extremos como secas e enchentes sobrecarregam o sistema, deixando populações sem acesso a energia”, alertou Suzuki, defendendo a necessidade de uma adaptação rápida e integrada da cadeia elétrica para garantir a resiliência do setor.

Pedro Regoto, da Climatempo, destacou a aceleração do aquecimento global, com temperaturas ultrapassando os limites do Acordo de Paris. “A relação entre aumento das emissões de CO₂ e aquecimento global é direta. O setor elétrico precisa se adaptar para enfrentar esses desafios”, afirmou Regoto, defendendo que a transição para uma matriz de baixo carbono pode ser uma oportunidade para reduzir riscos e avançar nas metas de desenvolvimento sustentável.

Mário Miranda, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica (ABRATE), discutiu os desafios da integração de fontes renováveis ao sistema elétrico. Ele enfatizou que a flexibilidade e resiliência do sistema de transmissão são cruciais para garantir a continuidade do fornecimento, especialmente em um cenário de mudanças climáticas intensas.

Leonardo Queiroz, superintendente-adjunto da ANEEL, também abordou a importância da adaptação das infraestruturas elétricas. “Estamos preparados tecnicamente, mas é preciso continuar investindo em resiliência”, afirmou Queiroz, defendendo a regulação do uso de recursos energéticos distribuídos, como a geração solar descentralizada.

No Painel 4, que abordou Lições e Desafios de uma Matriz Altamente Renovável, Edvaldo Santana, consultor e ex-diretor da ANEEL, destacou que a integração de fontes renováveis às redes elétricas é um desafio global, como evidenciado pelo recente apagão na Espanha. Segundo ele, o sistema elétrico foi historicamente estruturado em torno das termelétricas, e a rápida entrada das renováveis exige uma nova lógica, impactando a segurança do fornecimento.

“Santana destacou falhas na integração entre fontes renováveis e a infraestrutura elétrica existente. Citou como exemplo a Península Ibérica, onde, ao contrário do Brasil, o uso de reguladores de tensão não é obrigatório — e, quando instalados, muitas vezes não se sabe se estão funcionando de forma adequada.”

Ele alertou para a urgência do tema: “Se reconhecemos as mudanças climáticas como uma ameaça real, investir em energia limpa é uma necessidade. Se há custos, devemos enfrentá-los com soluções — não com retrocessos.”

A urgência da descarbonização e o papel das políticas públicas

Suely Araújo, coordenadora do Observatório do Clima, defendeu a desativação das usinas termelétricas a carvão até 2027, alertando para os danos ambientais causados pela queima de carvão. Ela criticou a recente extensão da operação da UTE Jorge Lacerda até 2040, considerando-a economicamente e ambientalmente insustentável. “O Brasil tem potencial para ser líder na transição energética, mas isso exige decisões políticas firmes”, afirmou Araújo.

Jerson Kelman, Professor da UFRJ e ex-diretor-geral da ANEEL, criticou a atuação do Congresso Nacional, que vem legislando sobre energia sem base técnica. O presidente Lula vetou os “jabutis” (emendas sem relação com o tema principal do projeto), mas há o risco de que o Congresso derrube esses vetos. Existe ainda a possibilidade de que medidas provisórias incorporem propostas sem embasamento técnico, como a reinclusão de programas como o Proinfa, o que representa retrocesso.

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